de Leo Jaime.
Vou correndo, como se isso me fizesse escapar dos pingos da
chuva que se inicia. Menos tempo na chuva, pode ser ilusório,
mas tenho a impressão de que ficarei menos molhado, de que
chegarei menos ensopado. Com o canto do olho observo o senhor
que com a mangueira termina de limpar a calçada, mesmo sabendo
que a chuva há de modificar todo o cenário nos próximos
instantes. Ou vai trazer de volta toda a sujeira que ele está
tirando ou vai lavar outra vez o que ele acabou de lavar.
A água que cai do céu cai purinha, purinha, é o que penso
enquanto corro dela. A água que cai do céu. Lembro-me do livro
da Camille Paglia em que ela afirmava, ou pelo menos foi o que
me recordo de ter dali subtraído, que o homem havia optado por
viver em grupo por temor aos fenômenos naturais: chuvas, clima,
terremotos etc. Foi preciso se unir contra as forças da
natureza. As forças amorais na natureza. Quando passa um furacão
levando tudo, bons ou os maus, estão todos ameaçados. Quando
chove muito e tudo começa a inundar, anjos e demônios poderão
estar, em breve, igualmente submersos. Quando a água falta,
senhores e escravos morrem da mesma sede. Há forças mais poderosas que
a maldade humana.
Os destinos turísticos
são, em sua maioria, lugares interessantes por causa da água.
Praias, lagos, rios, cachoeiras: somos naturalmente atraídos
pela água. A simples vista para o mar ou rio já torna um ambiente mais
interessante. Parece óbvio o que digo mas se levarmos em conta
que grande parte do planeta é tomado por água isso passa a ser,
sim, digno de nota: vivemos em meio a tanta água e ainda somos
tão fascinados por ela! Nosso organismo é também, em sua maior
porção, água. Somos água, viemos da água, para a água voltaremos
e, enquanto tivermos como aproveitar a vida, queremos fazê-lo
perto de alguma fonte de água límpida, na beira de um rio ou
mar. Navegando, que seja. Queremos água.
Vivemos,
porém, sob o alerta de que a água pode acabar. É preciso
economizar. Parece absurdo pois a água é absolutamente indestrutível!
Se você toca fogo ela vira fumaça e depois volta a ser água, se
congela ela derrete e volta a ser água, seja lá o que se faça com
ela, a água volta a ser água depois de um tempo, pura e
cristalina. E na mesma quantidade! Pois é. Mas pode voltar
salgada. Sabe lá o que é morrer de sede em frente ao mar? O
prejuízo maior que a água pode sofrer é a poluição. Uma vez
poluída a água pode demorar muitos anos para voltar ao seu
estado natural, potável, como os pingos da chuva lá do início.
Volto ao início e ao senhor que tentava varrer uma folha de
árvore, pequenina, da porta de seu prédio, segundos antes da
chuva começar. Quantos litros de água pura ele desperdiçava
naquela tarefa imbecil? Não seria mais fácil varrer a folhinha
ou pegá-la com a mão? Aquela água correria para o bueiro e se
juntaria ao esgoto cheio de substâncias químicas e de lá iria
parar sabe-se lá onde, mas, poluída, demoraria um tempo enorme
para voltar para o reservatório d'água da cidade. Este tempo é
que pode ser o suficiente para uma cidade entrar em caos por não ter o
que beber. A água não vai "acabar" nunca, mas talvez, um
dia, não possamos usufruir dela onde e como gostaríamos. Talvez
as grandes desgraças naturais não nos metam tanto medo porque o que
nos vai derrotar mesmo sejam as folhinhas nas calçadas. Aguadas de
estupidez.